domingo, 27 de maio de 2012

À margem do olhar

        A pele era branca e como a malha-zebra seus olhos contrastavam em preto. O que nunca me tinha chamado atenção, depois de tantos anos mergulhou na profundeza da minha alma, de modo que me causou arrepios em toda superfície cutânea. 
          Sem dizer palavra ele se aproximou e sentou ao meu lado sentindo meu cheiro de perfume viajado. Cinco minutos com a perna quase colada na minha observando os gestos do meu indicador à tela resistiva do celular. Eu buscava por um sinal de internet e ele por um sinal de que era eu quem ele procurava. Ao sentir um cheiro que invadiu minhas narinas eu sabia que aquela aproximação era dele, que sempre e nunca tinha visto. Titubeei e sem motivos um medo congelou minha espinha. Meu coração acelerou antes de qualquer palavra ser pronunciada.
          Corri meus olhos atravessados por baixo, vi um sapato bonito e deslizei acima, observando uma calça jeans escura. As mãos de homem estavam próximas às pernas, eram delicadas, mas firmes. Subi o olhar e percorri do queixo ao nariz, ao chegar nos olhos vi o menino dos olhos negros sorrindo com a íris. Nunca havia visto um sorriso com o olhar, fiquei estática. Ele disse ainda rindo:
             - Achei que passaria o resto do dia até ser notado.
             - Desculpe, estava atenta ao celular.
          Não tive coragem para admitir que já o vira se aproximando, porque ele me causou tanto impacto que eu sentia vergonha de admitir. Dei um abraço sem jeito, um beijo ainda mais, no rosto coberto por uma barba negra e densa, senti o cheiro de homem mesclado a um perfume singular que acentuava sua masculinidade. Meu nariz ativava os sentidos a cada segundo que dava passos ao lado daqueles olhos.
           Entramos no carro, sentei sem jeito, com jeito de mulher decidida, com jeito de moleca inexperiente. Ele me olhou nos olhos ainda com o sorriso constante translúcido dos óculos. Não falou palavra. O silêncio era o som perfeito para que se ouvisse a batida da inquietação. Eu o olhava de modo discreto, ele trocava as músicas do som freneticamente.
         Alguns quilômetros rodados, perto de concretizar seu dever de me deixar no local combinado, ele parou no acostamento para atender uma ligação. Ouvi sua voz e olhei em seus olhos mais um vez. Ao desligar o telefone o impedi de soltar o freio de mão. Parei meu olhar a dois centímetros do dele e sua pupila dilatada se fechou junto a minha. 
           Demos um beijo profundo, beijamos com nossas almas. As mãos firmes dele tocavam minha nuca em pontos que ninguém havia chegado. Suas mãos ágeis afastavam o banco do carro para trás ao passo que me puxavam pela cintura e o colocavam em cima dele. Os botões da blusa se abriam com facilidade, seu peito era liso, musculoso, branco, com bicos rosados e firmes; sua barriga macia com divisões notadamente eróticas eram tocadas por minhas unhas vermelhas que a arranhava e sentia a consistência da pele.
           Sem mencionar nada ele abriu sua calça e pôs sua excitação em evidência, afastou minha calcinha e deslizou as mãos das coxas até a cintura, se posicionando firme no ritmo do seu desejo. Os carros cortavam a 120 por hora e suas mãos manobravam o desejo molhado que ele encontrava dentro de mim. Os olhos negros se perdiam nos meus e continuávamos silenciosamente cumprindo o destino dos nossos corpos.
        Exaustos, voltamos à posição inicial e eu soltei o freio de mão. Ele dirigia sorrindo, eu quase cochilando. Chegamos ao meu destino, precisávamos nos despedir. Nossos amigos nos esperavam. Ele beijou minha mão, minha testa. Descemos do carro e todos preocupados porque havíamos passado pouco mais de uma hora e não tínhamos assunto para tratar. Apenas sorrimos nos entendendo com os olhos.
            Nunca tocamos no assunto, nunca comentamos. Desde então quando nos vemos apenas sorrimos nos desejando e repetindo cada gesto daquele dia com o olhar.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O que tem para hoje

Dez da noite. A noite...o fim da novela, amigos no bar, pousadas vermelhas. E para as prostitutas órfãs, o sorriso murcho das calçadas corroídas pelo scarpin amigo.

domingo, 16 de maio de 2010

Da incondicionalidade

Para Thiana Samira

De repente se fez um desespero, uma inquietação, um tumulto. Meu coração teme perder mais uma vez. A hora se aproxima e a mente, por mais pulsante e cerca do racional, briga com a alma que tem medo de solidão. Não sei como (re)agir diante de mais uma separação imposta pelos traçados do relógio.

Espero que nunca saiba do quanto te amo, para que nosso adeus soe como um até mais.

Duas horas da tarde, o quarto, o sangue, a bala. Mais um suicídio amigável.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

As compras no chão e a felicidade transbordando os céus. Estávamos no nosso apartamento. G foi estacionar o carro enquanto eu subia para o 208 com material de limpeza. Assim que estacionei as sacolas, aquele homem que há 5 minutos subiu as escadas, anunciou o assalto. O portão principal trancado, somos novos no prédio, G está dando voltas pelo centro da cidade, vai demorar, 208, ele me forçará a entrar, as mãos do homem para trás, passa o celular, o celular está velho, remendado com super bonder, passa o dinheiro, CNPQ só em maio, 5 centavos na carteira, mochila no chão, a digital de G, a calcinha, o absorvente, eu, tudo no chão de cabeça baixa, os cuidados do meu pai, o molho de chaves de G, baixa a cabeça, ele ainda pode me machucar, o circulador de ar na caixa, ele não leva, as chaves ficarão no portão, fique caladinha, não me siga, ele não tem arma, estou sozinha, tem força, meu amigo, o assalto, o terço, a santa na carteira, ele morreu num assalto, também não reagiu, G enlouqueceria, as perninhas finas descem as escadas, eu desço, ligar pra G, como?, o velho digita do seu celular, G corre pela rua, a locadora, só há mulheres no prédio, foram as perninhas, o abraço, a polícia, o 208. As compras no alto do armário e a felicidade no chão.